EPHEMERA DIÁRIO: O CENSOR APAIXONADO


Ás 2h. da madrugada de 6/1

Meu querido e adoravel Sonho

Malyzinha querida

Aproveito uma aberta de serviço (que hoje é calmo) para escrever à Malyzinha a estas horas dormindo o melhor dos seus sonos.

Estarás sonhando com o Teu Jaly?

Olha, ele está pensando em Ti como sempre.

Deu-se aqui um caso que merece relato por nos interessar, mas é um pouco longo e amanhã (isto é, hoje) contarei pelo altofalante. É curioso sob mais do que um aspecto.

Já censurei, isto é li, a tua Eva e as Modas e Bordados e parece-me que estas últimas estão melhores que as primeiras.

Comprarei as duas coisas.

De Hespanha até agora não vieram mais notícias dizem que estão cortadas as comunicações. Houve aqui uma grande questão (só palavras, entenda-se) por causa do significado de “garçoniére”;  contarei o caso que tem a sua graça. Se eu me esquecer lembra-me os dois casos: Tomar e garçoniére.

Tantos beijos te dava se te visse deitada com os olhos fechados em tranquilo repouso! Beijos loucos do teu só teu pª sempre Jaly.


Este pequeno cartão faz parte de um conjunto de mais de uma centena de cartas românticas enviadas por um militar de alta patente à sua namorada, por volta de 1931 Pela correspondência percebe-se que ambos vivem no mesmo prédio, embora cada um com a sua família, sendo ele viúvo. Era um namoro secreto. A correspondência é entregue em mão, de forma discreta, ao que tudo indica, por uma criada ou por um impedido.

Este espólio contém ainda muita outra documentação, entre a qual largas centenas de cartas que os soldados que cumpriram serviço militar sob a liderança daquele oficial, espalhados por todo o País, escreviam regularmente ao seu antigo superior, contado  as suas vidas, e que se encontram todas organizados por remetente, com uma capa de cartão com o seu número, estando as respectivas cartas furadas e presas com um cordel, constituindo assim cadernos.

Entre as  várias funções que o remetente do nosso cartão desempenhou, destacamos esta, a de Coronel da censura, cujo cartão timbrado usou para, nas horas vagas do serviço, escrever à sua amada a quem, aliás, contava muito sobre a sua função confidencial.

A curiosidade deste cartão é precisamente a de, tendo o timbre da censura, testemunhar um amor censurado.

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