Esta fotografia tem uma história, como aliás todas as fotografias têm uma história. Foi tirada por mim num dos últimos momentos felizes do Vasco, já muito alquebrado pela doença. Era o dia do seu doutoramento honoris causa pela Universidade do Porto. Não foi fácil conseguir o doutoramento, mais que merecido, do Vasco Graça Moura. Coimbra e Lisboa, onde velhas querelas continuavam vivas, recusaram-no, e mesmo no Porto, na sua cidade, foi arrancado a ferros por um punhado dos seus amigos. O Vasco gostava de honrarias e quis fazer na sua intervenção aquilo que ambos tínhamos ouvido do Chris Patten, a preparar-se para Chanceler de Oxford, uma oração em latim. Havia vontade e muita ironia na intenção. Numa passagem anterior no hospital tentara, também com a ajuda de alguns amigos como o professor Martim de Albuquerque, fazer o texto, mas acabou por desistir. Era a sua segunda desistência do latim, a outra tinha sido o abandono da intenção de traduzir Ovídio. Mas o Vasco era teimoso e uma sobrevivência dessa vontade ficou na longa citação latina de Cícero que fez no seu discurso doutoral.
Quando eu lhe tirei a fotografia disse-lhe para se pôr na posição do Jorge Luís Borges, com a bengala. E ele riu-se, e foi nessa altura que tirei a fotografia. Era um homem único, tínhamos uma amizade clássica, seja lá o que isso for, mas a palavra parece-me bem. (JPP)
No EPHEMERA, em memória e homenagem ao Vasco, publicamos um ensaio inédito de Maria Mafalda Viana, “V.G.M a 27 de Abril de 2020”
[…] com o tempo habituamo-nos a tudo.
e vamos deixando que aconteça,
falando em liberdade e em leis iguais constantes.
são mais puras as palavras da tribo.
deixemos.
acontece.
e que morra quem tem de morrer
ao mudarem as estações do ano.
Vasco Graça Moura, in “Uma carta no Inverno”