EPHEMERA DIÁRIO (27 DE ABRIL DE 2020): LEMBRANÇAS DO VASCO

Esta fotografia  tem uma história, como aliás todas as fotografias têm uma história. Foi tirada por mim num dos últimos momentos felizes do Vasco, já muito alquebrado pela doença. Era o dia do seu doutoramento honoris causa pela Universidade do Porto. Não foi fácil conseguir o doutoramento, mais que merecido, do Vasco Graça Moura. Coimbra e Lisboa, onde velhas querelas continuavam vivas, recusaram-no, e mesmo no Porto, na sua cidade, foi arrancado a ferros por um punhado dos seus amigos. O Vasco gostava de honrarias e quis fazer na sua intervenção aquilo que ambos tínhamos ouvido do Chris Patten, a preparar-se para Chanceler de Oxford, uma oração em latim. Havia vontade e muita ironia na intenção. Numa passagem anterior no hospital tentara, também com a ajuda de alguns amigos como o professor Martim de Albuquerque, fazer o texto, mas acabou por desistir. Era a sua segunda desistência do latim, a outra tinha sido o abandono da intenção de traduzir Ovídio. Mas o Vasco era teimoso e uma sobrevivência dessa vontade ficou na longa citação latina de Cícero que fez no seu discurso doutoral.

Quando eu lhe tirei a fotografia disse-lhe para se pôr na posição do Jorge Luís Borges, com a bengala. E ele riu-se, e foi nessa altura que tirei a fotografia. Era um homem único, tínhamos uma amizade clássica, seja lá o que isso for, mas a palavra parece-me bem. (JPP)

No EPHEMERA, em memória e homenagem ao Vasco, publicamos um ensaio inédito de Maria Mafalda Viana, “V.G.M a 27 de Abril de 2020”

1 Comment

  1. […] com o tempo habituamo-nos a tudo.
    e vamos deixando que aconteça,
    falando em liberdade e em leis iguais constantes.
    são mais puras as palavras da tribo.
    deixemos.
    acontece.
    e que morra quem tem de morrer
    ao mudarem as estações do ano.

    Vasco Graça Moura, in “Uma carta no Inverno”

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