A MÁQUINA DA DESTRUIÇÃO DA MEMÓRIA DOS HOMENS E DAS COISAS

Numa espécie de manifesto que escrevemos nos 10 anos do Ephemera (ARQUIVO EPHEMERA – DEZ ANOS AOS PAPÉIS) enunciamos a nossa prioridade:

O Arquivo tem uma prioridade: salvar, salvar, salvar tudo o que faz parte da nossa memória colectiva. Depois de salvar há que conservar, organizar, inventariar, disponibilizar, investigar, publicar. Toda esta sequência é importante, mas primeiro há que salvar e, embora não pareça, nem sempre esta é a prioridade noutros arquivos. Acreditamos que, aconteça o que acontecer, salvo a peste, a fome e a guerra, o que cá entra está mais seguro do que o que fica em casa, que o interesse ou a falta dele, os recursos ou a falta deles, a morte, os divórcios, as mudanças de casa, ou os dias de destruição colectiva como as segundas-feiras depois das eleições, ajudam a eliminar. E todos os dias milhares de fragmentos da nossa memória colectiva desparecem, cartas, fotos, papéis, manuscritos, objectos, cartazes. 

A destruição é real, e podemos testemunhá-la todos os dias. Esta semana, numa feira de rua, encontrámos uma série de panfletos, brochuras e livros pouco comuns. Percebia-se que mais um espólio de um militante nos anos 60-70 tinha ido parar a um vendedor por grosso, ou a vários, para quem a unidade  inicial pouco significado tinha. Percebia-se que o espólio vinha de alguém que vivera fora de Portugal, exilado, e era próximo de uma das várias correntes trotsquistas internacionais. Havia algumas transcrições manuscritas de obras sobre a história do socialismo e do comunismo, o que reflectia um período de dificuldades para obter os originais.

Comprámos tudo que pudemos e que não havia no ARQUIVO EPHEMERA.

Até aqui tratava-se de uma situação relativamente comum, até porque é vulgar encontrarem-se núcleos de livros e papéis nos vendedores de feiras ou de rua,  ao azar das “limpezas” das casas ou de vendas quase a peso pelas famílias, que mostram ter uma origem comum e consistente. Uma vez é filosofia, outra literatura inglesa, outra estudos culturais, outra história clássica, etc.  Só que, neste caso, alguns dos livros, brochuras e panfletos tinham um carimbo com uma assinatura, Manuel Sertório.

Essa assinatura dava sentido biográfico ao que adquirimos, com o acréscimo de que Sertório foi nosso companheiro na experiência pioneira dos Estudos sobre o Comunismo, e é para nós um sentimento de obrigação e dever, salvar o que for possível da sua memória. Sabemos que a família ofereceu ao Centro 25 de Abril de Coimbra muitos dos seus papéis, que aí estão preservados e disponíveis aos investigadores. Mas a verdade é que uma parte do seu espólio anda perdido pelas ruas. Tentaremos salvar o que ainda for possível e que não tenha sido disperso ou desaparecido.

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