
INTERVENÇÃO DE JOSÉ PACHECO PEREIRA
Cumprimentos
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Nunca conheci Sá Carneiro pessoalmente, mas
frequentávamos um mesmo lugar e lá o encontrei
algumas vezes, a Livraria Divulgação, depois Leitura,
depois nada, a não ser uma barbearia e hoje um
restaurante indiano. Se há local no Porto que merece uma
placa é essa esquina da Rua de Ceuta, aliás a Rua de
Ceuta toda.
A ideia desta exposição, por mim sugerida, começou a ser
posta em prática num jantar de militantes do PSD
realizado no Porto, e foi abraçada com entusiasmo por
alguns deles que fizeram o trabalho preparatório.
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Depois, há a história do espólio que a permitiu, salvo por
Conceição Monteiro, uma fundadora do PPD, secretária
pessoal de Sá Carneiro, adjunta do Primeiro-ministro, que
acompanhou toda a vida do pós 25 de Abril, com enorme
dedicação e lealdade. Foi por isso que Francisco Sá
Carneiro lhe confiou o seu espólio e, foi porque o fez, que
se salvou o conjunto documental mais importante para a
história do PPD e do PSD, ou seja do principal partido
criado depois do 25 de Abril, em contraste com o muito do
que se perdeu, quase todo o arquivo do partido. É por
isso mesmo que esta exposição é igualmente dedicada a
Conceição Monteiro, que mesmo imediatamente antes do
início da montagem desta exposição ofereceu mais um
conjunto de fotografias, documentos, manuscritos.
Um dos aspectos mais relevantes desta exposição são os
documentos novos e inéditos que, ou permitem conhecer
aspectos desconhecidos da biografia de Sá Carneiro, ou
permitem esclarecer e aprofundar linhas de intervenção
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que ou estavam esquecidas, ou menorizadas, ou pura
simplesmente ignoradas pelo seu incómodo para os
tempos actuais.
Os aspectos novos mais relevantes, para que a partir de
agora há forte evidência documental, incluem o papel de
Sá Carneiro na criação da Cooperativa Confronto, a
iniciativa da Ala Liberal de apresentar uma candidatura de
Spínola a PR, as influências políticas e ideológicas no
Programa original do PPD, as tentativas de recrutar na
génese do partido elementos que vinham da oposição
anti-salazarista não comunista, a importância dada à
entrada na Internacional Socialista, todo o período do
PREC e a criação de um serviço de informações do PPD,
detalhes das cisões de 1976 a 1979, o processo de
criação da AD, e As iniciativas controversas de Sá
Carneiro como a entrega de terras em 1980, e muito mais.
Mas há muitas outras lições que vêm da interpretação de
literalmente milhares de documentos do Espólio de Sá
Carneiro e dos outros espólios existentes no Arquivo
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Ephemera, como o de Nuno Rodrigues dos Santos, o de
Vitor Crespo, o de Mário Brochado Coelho, e muitos
outros da colecção geral do Ephemera.
A primeira lição para os dias de hoje é que, percorrendo
estes documentos, é evidente o ambiente de liberdade,
controvérsia, discussão, que era o quotidiano do PPD e
do PSD no tempo de Sá Carneiro. Não era fácil ser líder
de um partido destes, e Sá Carneiro entrou e saiu,
discordou e não se calou como militante que se declarou
de base. Precisamos e muito deste tipo de ambiente de
crítica e análise, sem preocupações de unanimismo e
sem estar sempre a olhar para o lado, para a escada da
própria carreira.
Por outro lado, estes mesmos documentos revelam a
importância dada ao conhecimento, ao estudo, à análise,
por gente qualificada, como um fluxo permanente de
opiniões sustentadas, que serviam quer o partido e a sua
direcção, quer o partido no governo. Não havia medo nem
preconceito de, no exercício das funções governativas,
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ouvir o partido, porque quem estava no poder não era um
gabinete técnico, mas um partido político com as suas
referências ideológicas. A separação entre a acção
governativa e o partido, como se esta relação fosse um
anátema, empobreceu quer os governos, quer os partidos
remetidos quase só para a gestão de carreiras e tarefas
eleitorais.
Do mesmo modo, é relevante a consistência política do
pensamento e da acção de Sá Carneiro, assente nos três
pilares fundamentais do seu pensamento: o liberalismo
político, o personalismo cristão, e a social-democracia.
Quando se vê as diferentes versões dos seus discursos,
muitas vezes, uma manuscrita, depois outra
dactilografada com anotações manuscritas, a versão que
levava para ler na Assembleia, e as mudanças de última
hora que fazia, vê-se que há sempre uma valorização do
pendor ideológico. A ideologia não era e não é um
anátema.
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O PPD nasceu com grande consistência ideológica e
política, na ala do centro-esquerda, da social-democracia
ao modelo nórdico e alemão, mas a acção política do
partido ia mais longe para um “programa não escrito” que
incluía também o centro-direita. Sá Carneiro tinha
consciência disso, de que a resistência ao PREC e ao
PCP e extrema-esquerda colocava o partido mais à direita
do que o seu programa escrito. Mas Sá Carneiro foi
sempre explícito em não pretender impregnar os
fundamentos ideológicos do partido, daí a sua explícita
afirmação de que o PPD não só não era um partido de
direita como, mesmo quando faziam alianças como a AD
original de 1979-80, tinha a preocupação de incluir os
Reformadores, e dizer várias vezes que o PSD não queria
encabeçar uma frente de direita.
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Os seis anos de acção política de Sá Carneiro depois do
25 de Abril foram anos em que houve sempre liberdade
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porque alguém a conquistou e depois a defendeu, mas
não eram ainda anos de democracia. O tema desta
exposição é Sá Carneiro enquanto um dos “construtores
da democracia”. Este movimento de construção tem tido
também, nestes anos do 50º aniversário do 25 de Abril, a
celebração de Mário Soares, mais que justa e devida,
mas devemos também, por rigor histórico colocar Sá
Carneiro nessa construção.
Ela materializou-se em vários aspectos:
1) A criação do primeiro grande partido em liberdade. O
PPD, depois PSD, que foi o grande instrumento de Sá
Carneiro.
2) A preocupação com uma estratégia e táctica coerente,
que autonomizasse o partido e o utilizasse como
instrumento para combater e eliminar os últimos traços da
intervenção dos militares na vida política, de génese
revolucionária, mas que atrasavam a consolidação de um
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sistema puramente democrático, pelo qual lutou contra o
PS, como também colaborou nesta área, contra o
Conselho da Revolução, contra o Presidente Eanes.
3) A vitória da AD, pela primeira vez uma verdadeira
alternância de poder nascida das urnas, foi um passo
fundamental na construção da democracia.
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Esta exposição é rigorosa no plano histórico, assente em
múltiplos documentos, muitos assinados e manuscritos
por Sá Carneiro. Do ponto de vista histórico, não há outro
Sá Carneiro diferente do que aqui está. Pode-se
interpretar muito da sua biografia de forma diversa e
controversa mas, de novo, a evidência documental, é a
que está aqui, escolhida no meio de muitos milhares de
páginas originais.
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Mas o Sá Carneiro que está aqui honra-nos a todos, à
cidade do Porto, à luta que nos leva de liberdade de 1974
até à que, já nos anos a seguir à sua morte, em particular
em meados de 1980, acabou por consolidar o fim do
Pacto MFA-Partidos, o fim da tutela constitucional dos
militares e, por fim, o primeiro presidente civil.
Conhecer a sua obra é vital para os dias de hoje, quando
a democracia sofre uma erosão considerável. Se for
conhecida a sua obra, para além de um retrato pendurado
em sedes, ou estátuas nas ruas, Francisco Sá Carneiro
serve hoje como exemplo e ensinamento pelo seu
combate de sempre pela liberdade e democracia.
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