LUTA DAS OPERÁRIAS DA SOGANTAL (AGOSTO 1974)

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Participação das trabalhadoras da Sogantal na manifestação contra os despedimentos

(Lisboa, 7 de Setembro de 1974).

Aspectos da fábrica.

Trabalhadoras e jornal de parede.

Ver JORNAL DA SOGANTAL

Ver  Luta das Operárias da Sogantal (Montijo)        

                                                   

A Sogantal era uma empresa de confecção têxtil que produzia fatos de treino. Empregava 48 operárias, e era propriedade de uma firma de capitais franceses que realizava uma parte do processo produtivo em Portugal beneficiando dos magros salários e da ausência de pressão sindical antes do 25 de Abril. O ambiente de trabalho era muito repressivo No próprio dia 25 de Abril uma operária é suspendida durante quatro dias por ter deixado o trabalho durante hora e meia.

A 20 de Maio as operárias apresentam um caderno reivindicativo em que exigem um mês de férias pagas, o 13o mês e um aumento geral de 1200$00 para todas por igual. Como forma de pressão reduzem os ritmos de trabalho. A resposta da entidade patronal é só aceitar o que a lei estipule. A 30 de Maio a empresa comunica a decisão de pôr fim às atividades da fábrica, decisão que é comunicada a 8 de Junho ao Ministério do Trabalho. As operárias, postas perante um facto consumado, vão ter de tomar uma decisão. Ao Ministério propõem a nacionalização da empresa e a sua reconversão, que o Estado encontre um empresário interessado ou que os salários sejam pagos pelo Estado enquanto a fábrica estiver encerrada.

A 13 de Julho a Administração e o seu representante português abandonam as instalações. A fábrica fica nas mãos das operárias que continuam a trabalhar e vão começar a vender as reservas disponíveis para o pagamento de salários. Recebem a solidariedade de partidos e grupos de extrema-esquerda, assim como o apoio do Sindicato dos Têxteis e Vestuário do Sul. É organizada a venda militante de fatos de treino em escolas e fábricas. As primeiras vendas conseguem pagar parte das quantias devidas às trabalhadoras, que recebem o apoio solidário de José Afonso.

Na noite de 23 para 24 de Agosto, Pierre Lardat, o proprietário, à frente de um comando de cerca de 20 elementos, retoma a fábrica com a intenção de retirar a maquinaria e as mercadorias. Mas os populares notam coisas estranhas e põem as trabalhadoras de sobreaviso. No fim da tarde do dia 24 há uma concentração de operárias e população à porta da fábrica. Apercebem-se que algo não está a correr bem. Forçam a entrada nas instalações e avançam sobre o grupo de homens trazidos pelo patrão, que são protegidos pela GNR da fúria dos manifestantes. O comando abandona a empresa protegido por tropas no meio de apupos e insultos dos populares. A atuação do patrão gera uma considerável polémica, ficando estabelecido que as autoridades estavam ao corrente dos planos da operação.

Depois da tentativa de tomada pela força por parte do patrão, a fábrica fica nas mãos das operárias, que durante cerca de um ano tentam gerir a fábrica.

Segundo uma das dirigentes da luta:

 A partir dessa altura (24 de Agosto) começamos a dormir dentro da fábrica. (…) Fazíamos piquetes, enquanto umas trabalhadoras ficavam na fábrica outras iam vender a produção a diversas empresas e escritórios em vários pontos do país. Levávamos comunicados para divulgarmos a nossa luta e, nisso, éramos apoiadas pelos diversos sindicatos. Gerou-se uma solidariedade tal que, apesar de não necessitarem dos fatos de treino, muitas pessoas compravam o produto só para nos ajudarem. E esse dinheiro todo junto dava para pagar os nossos salários. Conseguimos manter a fábrica durante mais de um ano e, entretanto, surgiu a hipótese da auto-gestão, ou seja, outras empresas darem-nos trabalho e nós utilizarmos a fábrica para produzir.

  Adaptado de:

Miguel Ángel Pérez Suárez, CONTRA A EXPLORAÇÃO CAPITALISTA COMISSÕES DE TRABALHADORES E LUTA OPERÁRIA NA REVOLUÇÃO PORTUGUESA (1974-1975)

Dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX (Secção do Século XX)  (AGOSTO, 2008) – Orientador: Professor Catedrático Fernando Rosas

Saneamento da administração e processo de autogestão da Sogantal

Durante cerca de um ano e meio, as operárias da fábrica de têxteis da Sogantal, no Montijo, geriram a empresa e venderam o produto do trabalho para pagarem os próprios salários.

25 anos depois, Fernanda Cardoso, que liderou o processo de expulsão dos administradores e dos mercenários que queriam retirar as máquinas e a produção, recorda a luta que terminou com o encerramento da fábrica de fatos de treino.

Fernanda Cardoso

— Estava em casa mas preocupada com as instalações da fábrica onde trabalhava, a Sogantal, que tinha sido encerrada. Nós, trabalhadoras, continuávamos lá dentro durante o dia e depois íamos para casa. Esse dia 24 de Agosto coincidiu com um sábado e, embora a fábrica estivesse vigiada por um guarda, de vez em quando uma ou outra trabalhadora passava por lá, para ver como andavam as coisas. Foi já ao final do dia quando passei junto à fábrica, que descobri que as instalações tinham sido ocupadas. Olhei para as janelas dos escritórios e vi um grande cartaz onde se dizia: “Interdita a entrada. Não nos responsabilizamos pelos danos causados. Cães polícias”. Aquilo chamou-me a atenção e fui a casa das colegas para as alertar. O caso começou a espalhar-se e deu um alarido tal, que a própria população do Montijo acabou por concentrar-se à porta da fábrica. Arrombámos as portas, fomos recebidos com balas simuladas, mas conseguimos entrar e descobrimos pessoas barricadas dentro do escritório.

— Era o patrão, o gerente e uma série de mercenários, contratados para levarem o material e as máquinas. Dentro da fábrica, deparámos com as máquinas desmontadas e com os fatos de treino empilhados e atados, prontos para o embarque. E a uns quilómetros de distância da fábrica, para não dar nas vistas, estavam alguns camiões para transportar o material para França.  A intenção era levar tudo o que pudessem, sem nos darem satisfações nem os salários em atraso nem a indemnização pelo encerramento da fábrica. Então, os dirigentes sindicais exigiram negociações e ficou decidido que eu entrava no escritório acompanhada de um dos elementos do sindicato para darmos início às negociações. Mas não houve grandes possibilidades de diálogo porque a população, que estava quase incontrolável, invadiu logo os escritórios.

Entretanto, lá de fora avisaram-nos que algumas pessoas estavam a transportar gasolina dentro de capacetes para incendiarem os escritórios e obrigarem a administração a sair. De repente, alguém alertou que eu e o dirigente sindical estávamos dentro dos escritórios e que um fogo posto iria colocar as nossas vida em risco. O gerente, que era português, percebeu o sucedido e traduziu para o patrão e só sei que ainda levei com gás lacrimogéneo em cima. Não sei como é  que saí e quem é que me transportou, só me recordo de estar sentada no meio dos fatos de treino, com imensa gente à minha volta.

— Sim, pelo menos conseguimos que eles saíssem da fábrica e não levassem nada. A seguir apareceu a Rádio Renascença para cobrir o acontecimento, e logo depois aparece o MFA, que entretanto foi alertado para o que se passou. Foi tudo muito rápido, desde a nossa entrada na fábrica até à chegada do MFA passaram apenas duas horas. Quando chegaram, os soldados apontaram as metralhadoras à população e levaram os franceses com eles, para sua própria proteção. E que. com os ânimos exaltados e a revolta que as pessoas sentiam naquele dia, se o MFA não os levasse dali a população matava-os. Exigimos acompanhá-los para saber para onde os levavam e fomos também para o quartel militar, com algum receio, acompanhados de um militar que nos tratava como se nós fossemos os fascistas e os outros os explorados e oprimidos. Embora compreenda que a intervenção do MFA foi benéfica, dadas as circunstâncias, não aceitámos muito bem o facto dos militares terem protegido demasiado aquela gente e, posteriormente, os terem enviado para França sem qualquer tipo de castigo. Entretanto, ficámos sem máquinas montadas para produzir. O que nos valeu foi a solidariedade de vários mecânicos de outras empresas, que nos ajudaram a montar algumas das máquinas. Continuámos a produção mas não foi fácil porque não tínhamos dinheiro para peças novas, nem para as agulhas, para as linhas ou para a própria eletricidade.

—A partir dessa altura começámos a dormir dentro da fábrica. Éramos 48 operárias e fazíamos piquetes, enquanto umas trabalhadoras ficavam na fábrica outras iam vender a produção a diversas empresas e escritórios em vários pontos do país. Levávamos comunicados para divulgarmos a nossa luta e, nisso, éramos apoiada -pelos diversos sindicatos. Gerou-se uma solidariedade tal que, apesar de não necessitarem dos fatos de treino, muitas pessoas compravam o produto só para nos ajudarem. E esse dinheiro todo junto, dava para pagar os nossos salários. Conseguimos manter a fábrica durante mais de um ano e, entretanto, surgiu a hipótese da autogestão, ou seja, outras empresas darem-nos trabalho e nós utilizarmos a fábrica para produzir.

Mas não conseguimos chegar a esse ponto porque não tivemos grandes apoio não havia condições para o transporte e não tínhamos dinheiro para investir, embora muita gente estivesse disposta a levar e a trazer os materiais. Mas não conseguimos pagar dívidas como a luz e as outras despesas habituais da fábrica, e na altura em que o sector têxtil entrou em crise, devido às diversas lutas em todo o país. as coisas começaram a piorar. Tentámos tudo para salvar a fábrica, e inclusivamente fizemos um teatro na Praça de Touros do Montijo para angariar dinheiro e divulgar a nossa luta, antes e depois do 25 de Abril. Num ato de solidariedade, vieram trabalhadores de empresas de todo o país, com cartazes nas mãos para apoiarem a nossa luta…

Adaptado de:

Pedro Brinca /Etelvina Baia, Memórias da revolução no distrito de Setúbal  – 25 anos depois vol. 1 , “Setúbal na Rede”

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