EPHEMERA DIÁRIO (16 DE ABRIL DE 2020): D. MANUEL, ADMIRADOR DE SALAZAR


Confidencial

FULWELL PARK TWICKENHAM

14/VI/1930

Meu querido João

Muito agradeço as suas de 4-5 e 3-6, que li com toda a atenção. Pode estar certo que não durmo: infelizmente em Portugal é que não querem abrir os olhos! A campanha, bem o sei, continua de todas as formas, e a chegada do Rei A. vai acentuar essa campanha. O Rosado, com quem tenho falado diversas vezes, está preocupado. O Rei Jorge já está prevenido:  mas mais lhe direi durante a semana, pois estamos convidados a almoçar por S. S. M. M. em Ascot terça f. e quinta f. mas o mais importante é que na sexta f. (dia da chegada do Rei A.) almoço em “tête-à-tête” com o meu amigo Robert Vansittart (sub-secretário de Estado permanente no Foreign Office, que substituirá – após pouco tempo – o meu amigo Lord Tyrrel), em casa d’elle. Devemos ter – pois está combinado – uma longa e séria conversa, durante a qual direi tudo. Pode dizer isto ao Salvador e J. Coutinho. Vou escrever a ambos. Tenho a impressão que, em Londres, se vae tentar um grande “punch” ou ofensiva como as que tiveram lugar há [anos?] mas espero que não “pegará”, como então. – fiz o que tenho a dizer, que por ora não é pouco. O facto mais importante, ahi, é que o Salazar homem realmente extraordinário em tudo, se vire para a Inglaterra, e veja os tremendos perigos da Hespanha. Aqui, abrirei eu os olhos a quem tem que ver.

Deveria continuar a informar-me.

Com as afectuosas lembranças da Rainha creia-me sempre como seu muito amigo

Manuel R.


Há muitas coisas que não sabemos sobre esta carta que integra o ARQUIVO EPHEMERA. Uma delas é a quem foi dirigida, visto que a identificação do”João” como João Azevedo Coutinho parece contrariar a referência a “J. Coutinho” como sendo um terceiro nesta correspondência. O Rei D. Manuel II está em vésperas de morrer (em 1932), embora a sua morte fosse inesperada. Mas há três coisas que sabemos do Rei por esta carta: uma, que, mesmo no exílio, mantinha contactos com o topo da hierarquia real inglesa, com o Rei Jorge, mas também mantinha boas relações com personalidades importantes do Foreign Office como Vansittart, um firme opositor da política de entendimento com Hitler. A outra, é a preocupação com a situação em Espanha, com o Rei Afonso a apoiar a ditadura de Primo de Rivera e prestes a abdicar. Por fim, o rasgado elogio a Salazar “homem realmente extraordinário em tudo,”, com sublinhado, e a sua disponibilidade para o ajudar nos meandros da política inglesa.

Transcrição de Luís Ribeiro.


Nota de Luís Bigotte Chorão:

Lida a carta de D. Manuel, estou em crer que o destinatário foi o João do Amaral, tratando-se Salvador [de Salvador Correia de Sá, Visconde d’Asseca] e J. Coutinho [de João de Azevedo Coutinho, como bem refere].

Coloquei de lado a hipótese da carta ser dirigida a João Ferraz de Sequeira, que era homem de confiança e foi administrador da Casa de Bragança. A temática da missiva indica-me, com maior probabilidade, tratar-se de João do Amaral.

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